“Era uma vez um país muito distante onde as crianças cresciam muito rápido e se tornavam adultas num piscar de olhos. Os pais tornavam-se filhos e os filhos tornavam-se pais! A confusão era grande pois ninguém sabia quem tinha autoridade para mandar. Os pequenos queriam ter mais poder do que podiam e os grandes tinham-se tornado muito pequenos, frágeis e quase sem poder algum! Eram na verdade reféns dos pequenos. Estava tudo de cabeça para baixo naquele reino!”
Eu poderia continuar a escrever esta história e cada vez ela se iria parecer mais com as histórias reais típicas dos nossos dias. O desenrolar e o fim da história seriam previsíveis e pouco agradáveis aos nossos olhos adultos, sugerindo que acreditar na fantasia é bem melhor do que acreditar na realidade.
Na nossa experiência, temos observado que muitas das nossas crianças estão “adultificadas”, distantes do universo mágico da infância. Cada vez que me debruço sobre o olhar destas crianças, vejo olhos tristes, carregados de responsabilidade, conflitos, exigências! Por vezes há uma discrepância muito grande entre a expressão que apresentam e o corpo infantil.
Confesso que os meus olhos também se entristecem e que sinto morrer um pedacinho da criança que ainda vive em mim!
Imagino e vejo o sofrimento expresso nos comportamentos pouco esperados e pouco saudáveis destas crianças. Ansiedade, pesadelos, medos exacerbados parecem ser sintomas não só de um conflito atual, mas de um desenvolvimento pouco natural, desprovido do essencial para se ser criança: a capacidade de sonhar, de imaginar, de fazer-de-conta.
No imaginário tudo é possível! Sou quem quero ser, escolho as cores do meu mundo e pinto o cenário que desejo! Sou dona do meu destino pois o imaginário é meu, só meu. A fantasia é um lugar especial onde eu posso depositar as minhas expectativas, os meus medos, as minhas alegrias e desta forma, sem perceber, eu aprendo a lidar com as minhas emoções!
Brincando eu aprendo a relacionar-me comigo e com os outros. Ao brincar eu sorrio, e sorrindo eu sinto felicidade, um sentimento tão em falta em muitas das nossas crianças.
Sabemos que brincar é bom. Nós prescrevemos isso aos pais e eles concordam em fazê-lo. Mas quando vamos ao feedback, muitos dizem que não tem tempo, estão cansados e precisam relaxar vendo as notícias ou as novelas! Estão cansados e precisam dormir ou estar ao telemóvel. Alguns, efetivamente, assumem que não querem e, outros, que já não sabem brincar!
A nossa prescrição é sempre no sentido de que voltar a brincar é bom não só para as crianças! Para administrarmos a nossa vida tão exigente é preciso afastarmo-nos! Afastarmo-nos do mundo real que nos traz imensas vantagens na vida familiar, laboral e social, mas que é tão exigente, cansativo e altamente stressante.
Precisamos resgatar a criança que há em nós para melhor regular a nossa vida emocional e relacional. Para melhor estar em família e com os nossos filhos! Para que o lugar de cada um na dinâmica familiar seja claro: o lugar dos filhos com o que lhes cabe conforme a sua idade e com o lugar dos pais, provedores de autoridade afetiva.
Vamos a dar às crianças o que elas precisam para serem saudáveis e que é próprio da sua fase de desenvolvimento: brincar, brincar, brincar.
Vamos dar a nós próprios o que precisamos para termos bem-estar e melhor educarmos os nossos filhos: brincar, fantasiar, fazer-de-conta, imaginar, e rir das próprias brincadeiras que podemos inventar ou reinventar.
Saudades de ser criança? Saudades de brincar?
“E num passe de mágica, pais e filhos começaram a brincar! As novas tecnologias deram lugar à criatividade e novos brinquedos foram inventados…o chão da sala serviu de palco para o “momento das cócegas” e a harmonia voltou a reinar! E como em todos os contos de fadas, viveram felizes para sempre!”
Se precisar de ajuda, cá estamos para “brincar” consigo! Será um prazer acompanhá-lo nesta nova viagem!
Publicado por Clara Cruz – Psicóloga clínica e da saúde e Psicoterapeuta
Maio 2018